Negrinho do Pastoreio (Poema para Marco Feliciano)
Feliciano nega suas raízes
Crespas, agora alisadas,
Negras, agora maldição
Seu cabelo é síntese do que tenta esconder, tentando encontrar redenção num pote de henê
Feliciano quer deixar de ser...
Sua mãe, cara de bolacha brasileira,
Não nega a étnica mistura.
Mas seu espelho reflete, diariamente,
o tamanho de sua tortura.
Vaga sem entender quem é
E se esconde sob o título de pastor.
Grita coisas desconexas na igreja, mas à noite padece de desespero,
Insônia e dor
Feliciano tem raiva dos gays,
Mas faz a sobrancelha!
E tem raiva da mulher divorciada
E da família monoparental
E de tudo que lembre a fragilidade do seu reflexo.
De tudo que revele sua problemática com sexo
À noite, quando se depara com o monstro que o devora
Feliciano chora, ora, mas Deus finge não ouvir.
Quando sonha, é pesadelo
Chuvas de pirocas e grelos o perseguem em uma tribo negra
Acorda sobressaltado, faz o sinal da cruz e agarra a bíblia
Corre no armário e saca a fantasia de pastor
Um terno, seu único meio de ser tratado como "doutor"
Tenho pena deste homem,
Que distorce todos os princípios de amor que nos foi ensinado
E vive uma vida de dublê,
"Fiel perseguidor de viado"
Mas a verdade não vai calar:
Feliciano, está na cara,
Não adianta alisar.
Seu DNA é de negro
Sua auto-maldição, degredo
Salve-se antes que acabe o tempo,
Afaste-se, antes que desabe o templo
David Lima