6 de maio de 2011

Encontro com Caeiro e Álvaro de Campos

Vieram comigo hoje no ônibus Alberto Caeiro e Álvaro de Campos. Nos encontramos por acaso no Centro quando eu saía de minha aula matinal. Me apertaram num banco aonde só cabem dois e viemos, os três juntos, no trajeto Presidente Vargas - Copacabana. Passamos a roleta juntos, mas o sonolento trocador nem se deu conta. No caminho, Caeiro me mostrava os Jardins de Burle Marx do Aterro do Flamengo e chamava minha atenção para a nitidez do sol do dia de hoje e esta natureza brutal que há no Rio de Janeiro, com especial atenção para quando o ônibus fez a curva em frente ao Pão-de-Açúcar. Foi quando ele me disse: "Graças a Deus que as pedras são só pedras..." - apontando para o cartão postal. No que concluí: E as flores são só flores e os rios são apenas rios.... Álvaro, com seu pessimismo mesmo em dia de sol, não perdeu a ironia e completou: E o Rio é apenas o Rio...

Nem sei por qual motivo vieram me acompanhar. Depois deste pequeno diálogo os dois silenciaram e, cada um enroscado num braço meu como irmãos saudosos, contemplamos o caminho juntos. Dei de pensar coisas quentes, posto que fazia sol e sorri ligeiramente satisfeito para Caeiro, que sabe que compreendo o que ele me ensinou desde quando nos conhecemos. Álvaro me fez ter súbita tristeza pelo mesmo sol, do mesmo dia, da mesma hora, súbita tristeza, essas sem razão, sem sabermos de onde vem, apenas uma lucidez acentuada pela realidade melancólia de Álvaro. Confesso que tive vontade de chorar, mas silenciei para não constranger Caeiro.

Álvaro baixou seu Rayban anos 60, me olhou por cima da armação dos óculos e disse: "Sou inteligente, eis tudo. Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto, e há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá, que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa."

Chegou o ponto onde desço. Caeiro me deu um beijo na testa e um abraço longo. Álvaro acenou com a mão e voltou a ler seu jornal. Da rua, acenei um até logo para eles, que me olhavam pela janela do ônibus e gritaram antes do coletivo partir: o que for, quando for, é que será o que é!

Sorri feliz e triste, assim mesmo, como dia com chuva e sol. E voltei pra casa menos nublado.