16 de novembro de 2009

Aqui na minha mão


Acalmo meu coração perante tudo que é desesperador. Sigo o passo-a-passo como quem desistiu e assim tudo pesa menos, porque a hora passa, os dias passam e as situações se modificam. Hoje vi num blog a foto de uma mulher passeando de balão e isso me lembrou de tanto sonho que voei até o passado e lembrei de papéis-promessas que te dei, como convites, nos quais garantia a certeza de pequenas felicidades, como essa de voar de balão no cair de uma tarde escandinava. Agora, depois do temporal, cheiro de chuva na casa, acho graça e terno ter planejado tudo isso e ter isso pra lembrar quando você nem mais tem moradia no meu afeto, quando você já nem é convidado no meu balão. É que as vezes um fio de lembrança corre os meandros da gente e nos relembra simplicidades de chorar, como a paisagem que se vê quando se está num balão; coisa que não sei como é literalmente mas que só de imaginar posso saber, sabem como é? Como beijo bom, como sexo com amor, como algo que se sente mesmo sem ter feito. Por isso tenho medo e ao mesmo tempo me jogo de novo neste abismo chamado amor. Porque sinto-me condenado a uma vida assim, com amor, com risco, com desejo, com sonhos, com balão cruzando a tarde e passeando em meus pensamentos de felicidade. Agradável é ser pedido em casamento e, de súbito, saber-se amado e confirmado no papel. Tão demodé, uns vão dizer... E de novo a coisa do papel-promessa, da firma reconhecida, da história escrita, confirmada. Porém, ao contrário do jogo do bicho, na vida não vale o escrito, o que fica é sempre o sentimento, esse balão que carregamos estrada afora, movido à gás-amor, doido por um co-piloto que nos altere a rota. Mas tenho irresistível queda por escrever miudezas e jurar promessas. Sou do tempo antigo e confesso que subtrai uns papéis-de-carta de minha irmã pelo simples impulso de achar poético cheirinho de morango e balões voando numa folha para declaração de sentimentos. Agora sei porque os escondidinhos (coleção específica dos papéis-de-carta) faziam declarações e se amavam sem mostrar o rosto. Não era vergonha do amor, era pra não especificar a cara dele. E só por isso ama-se o novo com novo amor, impossível de ser igual como foi com o anterior. Assim corremos o risco de ser bem melhor e de alguém topar andar de balão numa tarde dessas.

9 de novembro de 2009

Berenice

Berenice não sabia o que fazer da vida.
Até que, por conta do acaso, conheceu Valdir no 474.
Apaixonou-se. Trocaram números. Celulares.

Contava para as amigas: Eu nem pego esse ônibus! Nunca peguei! Mas naquele dia tive que passar na casa da Dita e pronto, bingo, aconteceu! Tô amando, ele é o homem da minha vida! Ai, isso é coisa do destino, só pode!

Berenice telefonou, Valdir atendeu, marcou encontro, comprou cerveja, dançou pagode, comeu churrasco. Comeu Berenice em todas posições naquela madrugada de Sábado para Domingo no Motel Xaxaxa. Ela preferia o frango assado, gemia mais. Ele preferia cachorrinho, dava tapinhas.

Berenice encantou-se.
Contou para as amigas: Valdir é demais, essencial, ele é tudo! Passamos o sábado mais incrível de toda a minha vida! Foi o dia mais feliz da minha vida! E o sexo, ai... Valdir é especial na cama!

E deu risadas joviais com as amigas que acompanhavam acaso tão bonito.
Berenice tinha só 21 anos, muito nova para achar que um dia dentro de 21 anos era o dia mais feliz de toda sua vida para sempre, mas só ela que não sabia.

Berenice ficou pensando em Valdir.
Berenice telefonou, Valdir não atendeu. Valdir sumiu.
Berenice anda só e pensa em se matar.
Valdir nunca acreditou nesse negócio de destino não.
E Berenice continua acreditando que ele perdeu o celular.

Acha que é destino até hoje.

6 de novembro de 2009

Acumulado

Mais um ano termina
Não agir é uma forma de ação
Vejo planos em ruínas
E mando recados diretos
Porque cansei do sim e do não

Não quero deduzir
Não quero esperar
Não quero seduzir
Não quero controlar

Deixo que os dias batam com as suas portas em minha cara
E fico com essa cara de quem não sabe o que fazer
Dizem que o mundo já saiu da crise
Mas em mim ainda está a acontecer

Quero deixar a casa cair
Pra ressurgir desse escombro
Cansado disso tudo, vou tirar o mundo dos ombros

A alegria do palhaço
É ver o circo pegar fogo
E por isso está tudo certo
Tudo é caminho aberto
Mesmo quando a rota desvia
E nos põe neste estado de nostalgia

Querendo uma felicidade ultrapassada
Café no bule que passei de manhã
E requentei à noite, pois havia marasmo
E impaciência sã

Garantias de fundos
Aposentadorias privadas
Proper jobs
Ações, bens, imóveis e carros
Tudo isso é ouro falso
Lustro errôneo do capitalismo furado
Nada disso preenche minha sede de felicidade
No máximo traz estabilidade pra fingir que somos estáveis
E pra pagar as contas no fim do mês

Olha só o que a vida te fez
Agora tens sonhos de classe média
E não os difere de pesadelos

Grande loteria o destino
Acumulou, de novo.
É hora de se jogar.