1 de junho de 2010

COTIDIANO CRETINO - Uma breve história sobre o nada contada de forma não-linear

{ prefácil }

Eu não sei como começar um livro. Não sei o que quero dizer por não saber o que querem ouvir. Mas fizeram-me ouvir e ver coisas que eu não gostaria tantas vezes que, tanto faz ou tanto fez, seria melhor eu continuar estas palavras e dar cabo do peso que insiste em residir na minha memória e nos meus sentimentos, tornando-o assim um livro. Tornando algo que eu possa chamar de obra e que tendo orgulho disto ou não, é meu.

[.01] . Uma esquina fria


O picolé naquela esquina era bem barato, havia uma promoção na qual podiam-se comprar duas unidades por um preço barato. E ia sempre lá com sua simplicidade e normalidade constante saboreá-los. Conhecia todos os sabores. E quando ia só, percebia que sempre ia só; imaginava o picolé como sua neve possível e a sorveteria como um Himalaia imaginário, pois embaixo dos 40 graus que a cidade constantemente lhe oferecia raramente era dado a imaginar coisas geladas.

Assim como a cidade, o seu corpo fervia e o suor que ebulia daquele ser era um choro quase que maternal por ter nascido numa cidade que tudo dá e tudo tira. Tinha o corpo bastante moreno devido ao sol, não em excesso, mas na constância que permanecia para a normalidade de tudo.

“Eu choro sempre”, dizia. “Choro, mas ninguém vê minhas lágrimas, pois nesta cidade o sol as seca antes que corram rosto abaixo”. Esta cidade maldita e bendita, este povo maldito e bendito, a imperfeição e o perfeito convivendo dia-a-dia para confundir-me eternamente.

Meus amigos são inimigos com os quais ainda não me desentendi. Meus familiares são probabilidades matemáticas com as quais terei que conviver durante toda minha existência. Sou um código genético que se concluiu perfeitamente, ao menos para a ciência. Sou um produto final, resultado de uma química genética perfeita. Sou o mais perfeito e imperfeito de todos os humanos. Sou igual e diferente de todos. Tenho sonhos, quero realizá-los, tenho desejos, quero senti-los, tenho mamilos, tenho pênis, tenho corpo, zona erógena, tenho gozo e quando gozo rapidamente me esqueço de tudo.

Minhas opiniões não são aceitas, meus livros não são escritos, meus talentos não reconhecem, meus amigos se drogam, tenho sonhos secretos, tenho fantasias sexuais, tenho vontade de comprar um tênis, aquela camisa, aquele carro... Quero tudo e todos ao mesmo tempo aqui em mim. Passo pela praia e vejo a multidão, e me vejo perdendo tudo aquilo e ganhando toda aquela visão e experiência. Sou como um alguém fora de si mesmo. Ando por ai a esmo, vejo a chuva, piso na lama, sou ordinário como qualquer um e constantemente me sinto inferior. O que me fere eu não revelo, o que eu quero não possuo, o que possuo não me enche os olhos.
Deixem-me nesta cidade mais e mais e mais, pois assim eu posso conseguir finalmente tudo o que eu quero. Dêem-me paz.

E a música que toca dá ritmo a tudo agora. Eu paro, respiro e sinto a música. É bonita, depressiva e lenta, mas eu gosto. Lá fora, nas janelas da vida, ouço risos, gritarias e todo tipo de interjeição. Aqui, no meu quarto e dentro de mim, sinto apenas este vazio. Onde estão minhas felicidades? Onde estão os beijos que eu não roubei? Onde está quem ia roubar meus beijos?

E a música que toca é boa. Imagino minha vida como uma peça ou um filme de cinema, mas esse não sou eu, eu não sou o protagonista da minha vida. Vivo fora de mim e o que realmente gostaria de fazer, não faço.

Estou pouco a pouco aprendendo a não ter sentimentos, a sonhar pequeno, a perder as esperanças. Estou pouco a pouco morrendo enquanto a vida não anda. A vida desanda mais do que anda. O que querem saber de mim? Querem controlar-me completamente para que então eu me torne mais um no meio desta multidão cretina e reprimida? Deixem a menina em paz, se ela beija todos, todos a beijam e são felizes. Os que não o fazem e só olham, olham com desprezo, mas no fundo lutam para não aceitar a realidade possível e verdadeira do outro.

Quando escrevo, pareço que estou dopado. Dopo-me realmente de uma inexatidão por não saber o que eu estou falando e não ter fios de meada. Tudo é mesmo sem pé nem cabeça quando se fala disso, porque querer um roteiro linear da vida e das pessoas?

Ah! Mas o picolé... O de açaí é ruim. Também não é bom o de chocolate com menta. Também é bom o sundae, mas a casquinha com uma bola é muito cara. Ah, mas dois picolés saem em conta contando que tudo isto é apenas passatempo, pano de fundo para uma complicação ainda maior.

Não me entendem. Tá bom, eu aceito ser não-aceito. Alguém me entende, certamente, já que eu também me entendo. Não compreendo a mim e me compreendo como ninguém. Querem pés e cabeças nas histórias. São memórias. O dia da alegria eu lembro bem, o dia seguinte foi cinza e chuvoso, chuva fina. As primeiras decepções, os beijos mal dados, os beijos errados, os gostos dos beijos bons e as boas sensações.

Eu não sei como escrever um livro de ficção, de romance, de drama, de comédia, ou do que for, só sei escrever memórias, histórias que já vivi ou que podia viver baseando-me na minha possibilidade. Não quero voar longe, escrever sobre os japoneses sem nunca ter saído do Brasil. Quero estar cada vez mais aqui, na realidade e no calor desta cidade que tanto me bronzeia quanto me sufoca.

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