6 de março de 2010

Foi um rio que passou em minha vida

Meu pai faleceu na véspera do carnaval. Amante eterno de música, deve ter pensado que embora a perda fosse de uma tristeza enorme pra gente, seria melhor deixar-nos perto dos dias aonde tudo pode ser. Aonde de dia é Maria, de noite é João. Findado o carnaval, parece que a morte do meu pai foi como o próprio carnaval: a gente fica sem saber se foi verdade ou mentira tudo o que foi vivido, experimentado.

Enquanto corpos rebolativos e felizes iam em êxtase sobre carros alegóricos, nossa alegoria era aquele carro horrível de cemitério, aonde por cima vai o corpo dentro de uma caixa horrorosa de madeira. Sei não, tivesse eu inventado o enterro, não seria essa coisa feia e tristíssima.

Sol a pino e colocaram o pai lá. Colocamos um-a-um as flores e esperamos até o fim os coveiros fecharem o jazigo com cimento. Tudo metáfora. Cimento fechando uma história, eu com 29 anos e órfão, esse sol carioca na cabeça e depois as anedotas (lembrei-me tanto de Fernando Pessoa) pré e pós-funeral.

Sei que no meio disso tudo, eu estava tranquilo. Não desesperei, não gritei, não me joguei no caixão... Emotivo que sou, me surpreendeu estar tão contido e tão conformado com o acontecido. Colocava ali à prova coisas nas quais acredito: reencarnação, karma, destino e principalmente a idéia de que amor não depende de presença física, de corpo, de tempo. Que se pode amar pra sempre alguém. E que um pai a gente não perde, nunca. Isto seria impossível visto que sou metade dele e estou aqui vivo, contando isto pra vocês.

Sei que o Carnaval se foi, passou, como tudo na vida. Aprendi que não se perde uma coisa, ela apenas entra numa transição de estado. Um dia gelo, outro água, outro vapor, sim, como aprendemos na escola: muda-se de estado físico. O resto é balela. É dramatizar o drama, perfumar a flor, poetizar o poema. Tudo desnecessário.

Tivesse eu inventado o enterro, colocaria músicas pois sei que assim estaria de algum lugar sorrindo e cantando meu pai e os outros nossos queridos que já o precederam.

Ô Abre alas que eu quero passar, ô abre alas que eu quero passar, eu sou da lira não posso negar, eu sou da lira não posso negar...

Um comentário:

Roberta Abranches disse...

Você sempre me emociona, na alegria e na tristeza. Você é ímpar, caríssimo! bjs