17 de dezembro de 2008

Quando os anjos aparecem

Talvez pelo fato do Natal não me comover mais - vista a demanda desenfreada de consumo que a sociedade tem nesta época, face a quase nenhuma reflexão do que o Natal verdadeiramente significa - Deus ou qualquer força boa do além me colocou diante dos olhos uma cena pra chorar de emoção. Eu esperava cautelosamente a fila do passe (espécie de reza que há perto da minha casa) quando adentrou na pequena sala uma mãe com sua filha, nitidamente com algum tipo de doença. Não gosto da palavra doença, portanto já a substituo de imediato por "especial", pois foi assim que a própria mãe a descreveu ao pedir-nos se poderia ser a primeira da fila a tomar o "passe", devido sua filha ser "especial". Na hora consentimos, obviamente, afinal diferença alguma faria em questão de tempo, mas faria toda a diferença no gesto. E creio que na vida, tudo começa por um gesto. Uma atitude correta perante a vida e aos acontecimentos é também uma espécie de passe, é também purificar-se, embora fique claro que muita gente sequer consegue associar uma coisa a outra. E quando digo purificar, não digo com sentido cristão-castrador-religioso, mas no sentido de exercer a bondade perante a vida, mais do que dizer que é bom, precisamos agir desta maneira.

Esperávamos e a menina especial (chamo-a antecipadamente de especial pois o adjetivo faz jus a mesma - não apenas pela sua deficiência, mas pelo que narro à seguir) foi sentar-se numa cadeira. Uma senhorinha que entrega as fichas para a fila do passe chateou-se pois a menina foi sentar-se num banco aonde ela não queria ninguém sentado. Essa senhorinha é mesmo assim, todas senhorinhas aliás são assim, cada dia estão com um humor diferente e nem é maldade, é pra serem notadas. A menina prontamente entrou na sala maior aonde todos nós aguardávamos em bancos simples de madeira, visivelmente chateada e resmungando baixo, até que sua mãe disse: - Não liga minha filha, essa senhora as vezes é chata. E hoje ela está chata.

A menina, falando baixo, disse: Mãe, ela que fique com sua chatice, eu sou especial, ela tem que entender isso, eu sou especial!

No fundo, nas nossas vidas, precisamos deixar pra lá mesmo essas pessoas chatas com suas chatices (sejam jovens ou velhas, não importa) e tocarmos em frente. No fundo, nas nossas vidas, somos todos especiais. A menina abriu meu coração pro óbvio, eu que tenho sofrido a falta de amor dos outros, e me colocou lágrimas nos olhos. Não devemos ficar sofrendo pela chatice alheia, essa chatice mentirosa e hipócrita, chatice demagoga que morde e assopra, chatice que diz que ama e logo depois quer te deixar e logo depois quer te pedir desculpas, que é pra ter mais uma chance de te magoar e magoar os outros. Chatos, todos chatos num mundo aonde ser especial perdeu o sentido...

Logo após comentar a chatice, a menina disse eufórica para a mãe que viu o Papai Noel no Shopping Botafogo e que foi conversar com ele. Disse-lhe que não queria roupas, que queria outra coisa (e essa outra coisa a menina não mencionou verbalmente). Imaginei - que mente tola a minha - que ela tenha pedido pra ficar boa! Mas ela já é boa, ela é a síntese da bondade e da pureza e mais uma vez meus olhos marejaram.

Ao fim, ela disse pra mãe: Ele me disse mãe, que tenho que enviar uma cartinha pra ele... Como faz mãe? A gente entrega a ele lá no Shopping Botafogo? Eu não entendi mãe...

A mãe, comovida mas visivelmente contendo a emoção disse: - Não sei minha filha, não sei...

Depois entrei para tomar meu passe e nem precisava pois a bondade da menina purificou-me de imediato. De repente era Natal, de repente a gente acredita na vida de novo. Não acredita mãe?

Nenhum comentário: