18 de novembro de 2008

Dilúvio



Enquanto o dilúvio caía, ficamos eu, minha avó e meu pai trancados na imobilidade de nossos destinos. Tudo era metáfora: lá fora a rua virou mar com a água da chuva e dentro de nós o rio de nosso tempo não podia ser contido. O que caía do céu era meu choro, o falatório da avó e a doença de meu pai. De repente percebi que cada um de nós carrega por dentro um manancial de sofrimentos e que embora secos, transbordávamos também naquele momento em que a força da natureza nos fez ver com nossos próprios olhos que a gente pensa muito que está comandando a ordem das coisas, mas que no fim das contas, somos apenas mais uma espécie acuada com medo de água e tendo de esperar a tempestade passar, sem que esta fosse metafórica.

Esperamos por volta de três horas, os três, juntos, como não acontecia há tempos. E olhávamos e tecíamos comentários cretinos e mundanos e ríamos dos outros seres-humanos que enfrentavam a enchente. Não era riso de escárnio nem nada. É que éramos tão vítimas da chuva quanto os que dela fugiam na rua, embora parecesse que dentro do apartamento fosse o lugar mais seguro e seco do mundo. Não, não haviam goteiras, nada de respingos por sobre nossos corpos... O que me assustava é a nuvem que pairava em nossas cabeças, cheias de mágoas e tristezas.

Não chorei porque já o havia feito no horário do almoço quando perdi o controle e desejei não vivenciar essa realidade, mas que logo depois tratei de aceitar engolindo comida com choro, sem querer nada pra beber, choro já era o suficiente. A chuva passou e eu tratei de encaminhar minha avó para seu caminho, para o transporte na verdade, visto que estamos todos sem caminho, perdidos no tempo, com medo de viver o agora porque amanhã pode ser difícil e a gente pode se arrepender e a vida pode não ter valido a pena. Porque a gente fica querendo fazer seguro de carro, de saúde, de vida, mas seguro de amor não existe, e a gente ou vive ou se fode, não há meio termo. E por não haver meio termo. É que estou completamente cansado disso tudo.
É que não quero mais palavras ao meio, nem amor pela metade.


Um dia, num dia de enchentes e alagamentos como este - faça chuva ou faça sol - sei que hei de transbordar por inteiro.

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